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Tentar não pensar. Deixar o corpo se expressar. Afinal, não sou nada mais que isto, meu pensamento, incansável, luta para se emancipar daquilo que se chama de lógica. Alguns neurotransmissores a menos e outros a mais me fizeram o que sou hoje, e não posso negar isso, não importa o que eu diga. Posso chamar o que vivo, neste novo período, de crise. Outro lado de mim considera-o de glória.
Preciso dormir, eu sei, mas não consigo. Não é o que o meu corpo pede no momento. Meu corpo pede música, já prepara sua acústica. Não quer vibrar sozinho. Está inquieto em sua própria euforia, tem sua linguagem e está louco de raiva pois não sabe usá-la. Parece corpo de mulher. Quer sustentação, quer gravidade. Meu corpo quer outro corpo. Não carece descanso. Muito pelo contrário. Quer se cansar, se exaurir até morrer.
Pois não tem nenhuma outra utilização neste quarto insano. Aproveita-te de mim enquanto podes, ah sim meu amor, aproveita. Que hoje sou só matéria. Cobre o meu espelho, que dele não mais preciso. Abro-me a ti em carne viva, fluido escapando. Não possuo mais nome. Não cauterizes a ferida, abre-a ainda mais. Faz-me sentir com todos os nervos que ainda me restam. Sou apenas órgãos e correntes. A quem quero enganar?
Vem, e não saias até que me tenhas feito outro. Quer mudança, sim, ele quer, posso ouvir meu corpo podre dizendo. Faz o que te for necessário; não estou disposto a mudar de idéia. Não hoje.

9

- Por isso que eu fico triste. Quando estou em uma festa, todos ao meu redor estão felizes, completos. Sorriem como se a festa fosse regra, não exceção. Às vezes penso que simplesmente se esqueceram de como é ser triste, como é estar sozinho no mundo, pulsando. E eu estou lá também, mas ainda tenho consciência de mim, o dia inteiro não sai da minha mente a sentença que é existir.
- É bem mais fácil pensar nos outros. As pessoas se sentem confortáveis apenas com o fato de saber que estão inclusas em algum lugar...

Eu estava ouvindo este diálogo entre duas garotas que estavam sentadas atrás de mim no ônibus. Só ouvi até aí, porque o que elas diziam identificava-se tanto comigo que eu não suportei ouvir mais nada. Coloquei a música no máximo e os fones quase estouraram meus tímpanos, mas ainda assim era melhor que encarar a verdade. Só o fato de pensar nisso, ou pensar em pensar nisso... Já me deixa angustiado. Não, não quero. Não agora, por favor. Passei o resto dos quarenta minutos olhando para aquele chão sujo que estava parado, mas se movendo.
Andar de ônibus me enjoa mas sou obrigado a fazer isso todos os dias. Olhar para pessoas estranhas não é ruim, ser nulo não me é uma novidade. Apenas gostaria de saber como ocupar minha mente enquanto minha casa não chega. As aulas apenas voltaram e estou cansado como se houvesse acabado de sair de uma revolução. Irônico, como o resto do que me acontece. Ser medíocre é tão cansativo quanto ser intelectual. Aliás, tudo tem me cansado nos últimos tempos. Quando durmo não sonho mais.
Se ainda escrevo, é porque o que me resta são os atos inerentes a mim. Ler. Respirar nicotina. Escrever o que era pra ser dito e expirar o ar do corpo tão novo, e já tão exausto.