21

Desespero inútil. Ou serve pra algo? Não sei. O que fazer quando não se tem nada sobre o que falar? Eu acho que tenho, até; não sei como me expressar. A cada segundo que passa tenho uma nova sensação de morte, minhas mãos começam a formigar e o ar vai me faltando. Como eu poderia ter cabeça pra pensar em algo para escrever? E, mesmo assim, cá estou eu. Não tenho para onde correr. Estou à mercê desse meu medo insano, bruto e totalmente ingênuo. A selvageria me invade de modo grotesco e não sei como me livrar das noites em claro, por mais que os dias cinzentos sejam alegres com os amigos. Estou cansado, muito cansado. Que fazer para matar a morte que cresce dentro de mim? Anular o pensamento, neutralizar o peito? A parte dois de On the Road não acaba nunca, e nunca vai acabar mesmo, se eu continuar deste modo. Não há mais ânimo, planos, nada. Apenas restos de vida, se tanto.
Sensação de morte, fim, solidão, abandono. Eu queria poder transformar isso em literatura, ou apenas em qualquer forma de expressão que pudesse ser compartilhada com alguém. Eu realmente queria, caro leitor imaginário. Mas em vez disso fico apenas citando o que passa pela minha mente, enquanto ainda tenho algum tempo de sanidade restando. Sinto pela não-qualidade desse texto. No momento é o que me surge, e com grande esforço, confesso.

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A única coisa que não me agrada, quando vou a concertos, é que esqueço quando tenho que respirar. Os olhos grudam no nada, no fundo do palco ou em algum dos músicos, e ficam lá, fora de foco, enquanto saio de mim mesmo para poder ouvir alguma coisa. Saio do ar. E a vida parece ser boa nesse instante. Não que o pânico não exista enquanto a música flui dentro de mim - utopia demais. Mas melhora. O medo de morrer é sufocado pelo transe em que entro no momento.
A pianista rebolando e indo para trás e pra frente com a cabeça, frenética enquanto tocava, me deu o que pensar. Não que eu goste muito de mulher. Talvez o medo delas seja o que as torna mais atraentes para mim. Enfim. O corpo da pianista romena não cessava, não se cansava, acho que ela teria se jogado dentro do piano de cauda se fosse possível. Sei lá, eu teria me jogado. Mas que desespero é esse de estar sempre fazendo algo, com certeza de estar vivo, sem a sensação de desperdícios? Ah, pro inferno. Uns minutos me bastaram. Agora de volta à belamente bizarra rotina do meu não-ser, que tanto me é querido de tão odiado que é.

19

Sinto-me melhor. Nada como passar as tardes lendo contos sobre mulheres enlouquecidas. A fantasia expurga os meus medos, que são substituídos pelo pânico das personagens. Essa me parece a melhor, a mais linda solução. Se eu seguir os conselhos desses cidadãos que me rodeiam, aí sim já estaria lhe escrevendo direto de uma clínica psiquiátrica, como o nosso velho Holden, querido leitor. Procurei todas as aparentes ajudas que cruzaram o meu caminho. O psiquiatra disse que eu entrei num quadro de pânico, a psiquiatra disse que não era nada demais, o homeopata me alertou sobre um problema nos rins, que, segundo a medicina chinesa, está associado à sensação de medo, e a moça do centro espírita me disse pra ir com deus. Ir para a puta que a pariu, bien sûr.
É. A literatura está aí, para isso. E os amigos, ah, os amigos. Os terapeutas prostitutos. Que seria de mim sem eles? Eles e meus remedinhos. Perfeito.

18

Sempre que chega a noite eu fico assim, sabe. (Sabe?) Sem saber direito como agir, ou o que esperar. Parece que o tempo acabou, prazo expirou. E agora, José? Dormir? Por mais cansado que eu esteja, não consigo. Simplesmente a idéia de passar horas parado, semimorto, esperando o tempo passar, às vezes me atormenta muito. E ficar acordado fazendo o quê? O desespero me atrai em todos os cantos, é o caso mais mal-resolvido que já tive. Mania de perseguição e tédio que deixam essa escrita tão ruim, quase tão sem graça quanto o dia que tive hoje, e ontem, e ontem, e ontem. Passividade exemplar, minha única escolha no momento. Sinto-me fraco o suficiente para, covarde que sou, contestar o mundo com o cu grudado na cadeira. E contente assim continuo. Acabei de ter um déjà-vu, que coisa mais inútil. Lixo, lixo. Não desista de mim, eu lhe peço.