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Tentar não pensar. Deixar o corpo se expressar. Afinal, não sou nada mais que isto, meu pensamento, incansável, luta para se emancipar daquilo que se chama de lógica. Alguns neurotransmissores a menos e outros a mais me fizeram o que sou hoje, e não posso negar isso, não importa o que eu diga. Posso chamar o que vivo, neste novo período, de crise. Outro lado de mim considera-o de glória.
Preciso dormir, eu sei, mas não consigo. Não é o que o meu corpo pede no momento. Meu corpo pede música, já prepara sua acústica. Não quer vibrar sozinho. Está inquieto em sua própria euforia, tem sua linguagem e está louco de raiva pois não sabe usá-la. Parece corpo de mulher. Quer sustentação, quer gravidade. Meu corpo quer outro corpo. Não carece descanso. Muito pelo contrário. Quer se cansar, se exaurir até morrer.
Pois não tem nenhuma outra utilização neste quarto insano. Aproveita-te de mim enquanto podes, ah sim meu amor, aproveita. Que hoje sou só matéria. Cobre o meu espelho, que dele não mais preciso. Abro-me a ti em carne viva, fluido escapando. Não possuo mais nome. Não cauterizes a ferida, abre-a ainda mais. Faz-me sentir com todos os nervos que ainda me restam. Sou apenas órgãos e correntes. A quem quero enganar?
Vem, e não saias até que me tenhas feito outro. Quer mudança, sim, ele quer, posso ouvir meu corpo podre dizendo. Faz o que te for necessário; não estou disposto a mudar de idéia. Não hoje.