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Não teria sido normal se o dia não acabasse estranho. Não teria sido eu, vivendo.
Meio da tarde, tudo nublado, uma inquietação me invadindo. Eu estava aflito, arrumando minhas coisas de novo, pois em quinze minutos estaria entrando no carro dos meus tios para ir à casa da minha avó materna. Digamos que lá não é um lugar em que eu passe dias alegres e confortáveis, em sua maioria. O lugar, na verdade, não é a raiz do problema. As pessoas que nele habitam, estas sim, são um tanto - leia-se "completamente" - incompatíveis comigo. Mal cheguei aqui e já tive uma amostra, antes mesmo de entrar pela porta, de como é ruim estar com um grupo de pessoas por "obrigação". É, obrigação, pois não consigo pensar em outro termo semelhante no momento. Não me lembro de nenhuma outra razão para estar aqui, agora.
Antes de sair e começar o trajeto de carro até a casa de minha avó, meu tio resolveu parar na casa da mãe dele. Já vi que seria mais uma oportunidade para eu me sentir completamente sem graça.
"Quer gelatina?", a mãe do meu tio me pergunta. Em uma fração de segundo tive que montar uma frase negativa, porém educada.
"Não, obrigado. Acabei de almoçar", murmurei tentando parecer menos tímido. Tenho certeza que ela não havia me ouvido ou fingiu ser momentaneamente surda.
Cinco minutos depois, a mulher volta com dois potes de gelatina: um para mim e outro para a minha tia, que também havia recusado a proposta. "Como eu gostaria de simplesmente desaparecer...", pensei. Opção descartada. O que me restava era comer a gelatina.
Li em vários escritos que a gelatina é feita à base de colágeno, o qual é aproveitado dos ossos triturados do boi. Não tenho como ter certeza, pois nunca vi uma gelatina ser fabricada, então preciso levar em conta de que há uma possibilidade da afirmação estar correta. E como um dedicado vegetariano, traí-me completamente ao me render às regras da boa-educação. Comi a gelatina sem fome, sem gula, nada. Nem aquela maldita compulsão que sempre tenho, nem ela veio dar as caras pra tornar tudo menos estúpido (ou mais). Mal pude acabar. Sorte minha que o cachorro adorava gelatina, e a mulher adorava o cachorro.
Voltei pro carro com uma culpa bizarra, pois até agora não sei se traí meus princípios ou não. Os princípios vegetarianos, eu digo. Porque os outros, ah... os outros já foram traídos várias vezes desde que cheguei aqui.

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