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A única coisa que não me agrada, quando vou a concertos, é que esqueço quando tenho que respirar. Os olhos grudam no nada, no fundo do palco ou em algum dos músicos, e ficam lá, fora de foco, enquanto saio de mim mesmo para poder ouvir alguma coisa. Saio do ar. E a vida parece ser boa nesse instante. Não que o pânico não exista enquanto a música flui dentro de mim - utopia demais. Mas melhora. O medo de morrer é sufocado pelo transe em que entro no momento.
A pianista rebolando e indo para trás e pra frente com a cabeça, frenética enquanto tocava, me deu o que pensar. Não que eu goste muito de mulher. Talvez o medo delas seja o que as torna mais atraentes para mim. Enfim. O corpo da pianista romena não cessava, não se cansava, acho que ela teria se jogado dentro do piano de cauda se fosse possível. Sei lá, eu teria me jogado. Mas que desespero é esse de estar sempre fazendo algo, com certeza de estar vivo, sem a sensação de desperdícios? Ah, pro inferno. Uns minutos me bastaram. Agora de volta à belamente bizarra rotina do meu não-ser, que tanto me é querido de tão odiado que é.

2 comentários:

Rafael disse...

Que maneira de se descrever uma noite agradável! Entendi agora aquilo que vc disse sobre mais caveiras que flores nos diários... hahahahaha

O que a romena tocava que lhe tirou o ar?

Anônimo disse...

sua pianista parece patética.