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    Sinto-me estranho ao voltar para casa. Hoje não foi um dia muito normal.

    Um peso incômodo na minha barriga é o que sobrou da experiência que acabei de ter. Não prestei muita atenção aos detalhes, pois estava tão nervoso - não esperava por aquilo - que mal pude fingir tranqüilidade. Eu sabia que não devia ter saído... As coisas não se sairiam muito bem pra mim, é sempre o que eu espero ao acordar, e hoje não foi diferente. E eu estava certo. Ao entrar na livraria, nem lembrei que ele trabalhava lá. Fiquei olhando os livros como de costume, folheando algumas novas edições e analizando outras, e me desanimando ao lembrar que não tenho dinheiro para quase nenhum deles. Quando uma atendente me chamou para fazer um cartão da loja, achei boa a idéia e mal tive tempo para dizer um "sim", ou para cogitar um "não" como resposta. E quem ela chamou para fazer o cartão era ele.
     Não sei como transmitir o que me ocorreu no momento. Nunca imaginei como seria, porque na verdade nunca esperei que fosse acontecer. Fiquei cara a cara e conversei com um homem que sempre admirei, o qual sempre me trouxe muita inspiração. As suas fotos, seus textos, as músicas que ele escuta. Ele sempre foi, para mim, uma fonte inesgotável. Mas infelizmente - ou quem sabe, felizmente - nunca saberá o meu nome. Nunca o perderei, pois nunca o tive. Os segundos de palavras mal-ditas, vazias de valor para ele e para mim, estranhas - pois na verdade eu prestava atenção à sua voz, e não ao que ele dizia - talvez nunca se repitam. E nesta beleza fria, triste e sem gosto de nada, vou observando o mundo e alimentando uma esperança falsa, uma esperança chata, de ser observado também.
      Ao voltar para casa, já me sentindo um inseto, ainda tive a "sorte" de encontrar o professor que me ensinou literatura no ensino médio. Ele é mais um dos indivíduos aos quais admiro incondicionalmente, numa via que só segue uma direção - a de olhar, e nunca ser olhado de volta-. Incontáveis seres são observados por mim, diariamente, e nem se dão conta disso. O resultado de meu encontro com meu professor não poderia ter sido outro: ele passou por mim, me olhou, não me reconheceu - ou pelo menos assim o fingiu - e foi embora. E assim será até eu descobrir a existência de um espelho, ou algo parecido, que complete
  



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