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"Aquela livraria já tem seu piso afundado", você diria, "de tanto que os seus pés sulcam aquele caminho" - uma verdadeira Notre Dame, dilapidada por seus peregrinos - a erosão que é fruto do amor. Não discordo; sigo a confiança já conquistada, os territórios familiares. E hoje não foi diferente, a não ser por um imprevisto: mudaram minha aconchegante seção para outro lugar, e continuei a perscrutar as prateleiras, os pés decepcionados carregando olhos confusos.
(Não.)
Os pés congelaram ao som estranho que invadia uma seção que não era a minha - livros de arte sacra, ou era Monet? não me lembro mais. Um velhinho, em tentativas de diálogo com aquele que parecia seu filho, liberava, a breves intervalos, frases doces e calmas, em italiano coloquial. O carinho inerente à sua voz idosa trancou meus pés ao chão: sem coragem de olhar à minha volta, folheei rapidamente uma coletânea com as obras de Escher, esperando absorver mais daquilo que o filho desperdiçava aos litros.
Voltei pra casa encharcado.

5 comentários:

Paulo Costa disse...

Você escreve incrivelmente bem.

Christina disse...

E eu estou encharcada de orgulho de você!

Anônimo disse...

quando é sobre você
que falo
para alguém

sempre digo que a
sua poesia
não cabe aonde você
mora e é

ela escapa
escancarando
sua necessidade de
mais céu

F. Carolina disse...

morri.

put*qu*pari*.

#morri.

Anderson Lopes disse...

Como é bom voltar para casa encharcado e deixar que a alegria do que vivemos nos enxugue!